Maria Lopes e Artes
Carnaval é coisa séria
Carnaval é coisa séria
Eram 23h da terça-feira de carnaval e um termômetro de rua na Avenida Chile, centro do Rio de Janeiro, marcava 30°C enquanto o tradicional bloco Cacique de Ramos encerrava seu desfile. Mais cedo, a cantora Ludmilla encerrou seu bloco, também no Rio, antes do previsto, por conta do calor. Outros blocos menores anunciaram que sairiam mais tarde, também por conta da temperatura. Na Sapucaí, foram realizados mais de mil atendimentos médicos nos dois dias de desfile do Grupo Especial, segundo informações da Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro. O calor foi apontado como um dos principais motivos dos atendimentos.
Nossa chefe da cobertura socioambiental, Giovana Girardi, já falou em sua coluna desta semana sobre os efeitos do calor extremo no carnaval deste ano e como os responsáveis pelo planejamento urbano das cidades precisam se preparar para os extremos climáticos. Alguns desses responsáveis estavam, inclusive, curtindo o carnaval e sabem que logo ali tem eleição.
Ricardo Nunes (MDB), prefeito de São Paulo, foi recebido com vaias no sambódromo do Anhembi; o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), foi presença constante nos desfiles da Sapucaí, com direito a cumprimentar o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira da Imperatriz Leopoldinense em plena avenida. O prefeito do Recife, João Campos (PSB), que tem se tornado um fenômeno no TikTok, publicou diversos vídeos mostrando as atrações carnavalescas da cidade e curtindo os shows. O pré-candidato à prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL), também participou de blocos de rua no centro da cidade, onde no pré-carnaval não era difícil ver pessoas com adesivos e tatuagens temporárias com desenhos de bolo, em alusão à sua candidatura.
Se por um lado o carnaval foi uma espécie de termômetro para as eleições municipais de outubro, com prefeitos e pré-candidatos testando sua popularidade no meio da multidão, por outro – como sempre – os foliões, com criatividade e bom humor característicos dessa época do ano, também deram seu recado. Pelos blocos do Rio, vi diversas placas improvisadas sobre uma possível prisão de Jair Bolsonaro durante o carnaval e um grupo que, após a operação Tempus Veritatis ser deflagrada na última quinta-feira, correu para fazer fantasias de passaporte apreendido do ex-presidente para usar no sábado.
Eu acho incrível como fantasias podem ser só fantasias, mas também podem ser comentários críticos, irônicos, gritos de resistência. Me emocionei com uma moça fantasiada de palhaça que homenageava Julieta Hernandez, a palhaça Jujuba, vítima de feminicídio nos primeiros dias de janeiro. Assim como me emocionei ao ver o Salgueiro celebrar o povo e a cultura Yanomami, a Portela apresentando o livro “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves e a Vai Vai celebrando o hip hop. Esta última, incomodou policiais e políticos de direita ao retratar a tropa de choque da Polícia Militar com chifres, representando a repressão policial.
Como disse o professor Luiz Antônio Simas, o carnaval afronta a decadência da vida em grupo e fortalece pertencimentos. Que a gente leve isso para o restante do ano.
Marina Dias
Diretora de Comunicação da Agência Pública
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