Maria Lopes e Artes.
Estudantes do ensino básico aprendem matemática e estatística confeccionando saias
Dona Maria Lúcia gostava de confeccionar vestidos de festa. Nascida em uma família de alfaiates, encontrou na costura uma profissão, mas nunca quis ensinar seus conhecimentos à filha. Desejava que Cássia Cristina Marcomini seguisse outro caminho. Dizia à menina: “Vá estudar”. E ela foi. Após concluir o Bacharelado em Matemática no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, Cássia fez a licenciatura na mesma área. Depois, por vontade de obter novos conhecimentos, se formou em Direito, fez mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente e, mais recentemente, defendeu sua dissertação no Programa de Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional (PROFMAT), novamente no ICMC. O título? “A Matemática, a Estatística e o Corte e Costura”.
“Quando eu fui aprovada na seleção do PROFMAT, minha mãe já estava muito doente. Começamos as aulas no fim de março e ela faleceu de câncer na primeira semana de abril. Quando a professora Juliana Cobre sugeriu esse tema, pensei: ‘É isso. Vamos lá’”, recorda Cássia.
No estudo, realizado junto a 101 alunos de 9º ano de uma escola municipal em Américo Brasiliense, ela interligou tópicos de estatística e geometria para a confecção de saias godê e semi-godê, dois modelos bastante conhecidos na família de Juliana.
“Minha avó não era costureira, mas costurava para minha mãe e minha tia por uma questão financeira. Ela comprava a mesma quantidade de tecido para ambas, mas a minha tia sempre ficava chateada porque minha mãe, mais magra, ficava com uma saia godê, muito mais vistosa e em moda na época, e ela ficava com uma saia franzida”, narra a orientadora, que sempre viu muito da matemática nos moldes usados na produção das peças da família.
Ponto a ponto – Após o convite e a autorização para os alunos participarem da pesquisa no contraturno das aulas, Cássia aplicou um questionário diagnóstico para avaliar o nível de conhecimento da turma. Posteriormente, conduziu uma conversa sobre a confecção de roupas. “Araraquara e Américo Brasiliense têm muitas famílias que trabalham na produção de meias, é um universo conhecido por parte dos alunos”, comenta.
Os estudantes debateram como solucionar o problema das diferenças na numeração das peças, já que não é comercialmente viável criar apenas roupas sob medida, e foi acordado que resolveriam a questão a partir da estatística.
“O que resta em outlets e liquidações? Aquilo que teve pouco público, normalmente tamanhos muito grandes ou muito pequenos. Observo isso e penso que a distribuição da grade de roupas ou de calçados não está legal, que as confecções precisariam reformular porque estão fabricando em excesso peças de um certo tamanho e, provavelmente, falte de outro”, explica a professora Juliana.
Cássia começou, então, a ensinar ao grupo os conceitos de população e amostra, sugerindo uma padronização de tamanhos a partir de uma população de 162 alunas dos anos finais do ensino fundamental. Por sorteio, o grupo chegou a uma amostra com 49 estudantes e algumas participantes ficaram responsáveis por tirar as medidas das sorteadas com a ajuda da professora de educação artística.
A partir daí, os dados foram tabulados e o grupo teve contato com os conceitos de frequência, moda e média, compreendendo quais as medidas mais recorrentes e estipulando seus próprios padrões para os tamanhos PP, P, M, G e GG.
O próximo ponto foi apresentar tipos de saias e conceitos de geometria necessários para sua produção, como raio, diâmetro, comprimento da circunferência e área do círculo. A seguir, os estudantes realizaram exercícios, assistiram a vídeos explicativos e, com compasso, tesoura, giz, fita métrica, agulha e linha em mãos, produziram saias godê e semi-godê de chita e percal.
“Depois, algumas alunas vieram me contar que tinham feito saias em casa e pedido às avós para colocarem elástico e babado. Também recebi perguntas sobre como deixar os modelos mais longos. As estudantes usaram as saias, as mães também e alguns pais me escreveram para agradecer”, relata Cássia.
União – A reaplicação do questionário inicial após a criação das saias indicou maior familiaridade dos alunos com os temas estudados e elevação da taxa de acertos em todas as questões. Mas esses são apenas alguns dos resultados destacados pelas pesquisadoras.
“A pesquisa mostrou para alunos bem jovens a questão da estatística, da importância das medidas, não só da matemática, mas da junção tanto do aspecto prático quanto de outras disciplinas e professores”, avalia Juliana.
“Foi um projeto que uniu todo mundo, uma construção coletiva. Em nenhum momento os meninos criticaram. Na hora das fotos para a dissertação, eles não quiseram aparecer, mas todos ajudaram na elaboração, nos cálculos ou nos cortes, e alguns quiseram experimentar as saias”, conta Cássia.
Ela menciona ainda que, mesmo tendo participantes com perfis e vivências diferentes, o projeto indicou à comunidade escolar que era possível investir em novas iniciativas. “A escola apoiou muito e o estudo mostrou que cada aluno tem uma habilidade, um comportamento, mas conseguimos promover a colaboração e incentivá-los”, diz. Havia, inclusive, a intenção de ampliar a proposta e criar roupas de Carnaval, mas os planos foram adiados devido à pandemia.
A pesquisa também reforçou para os alunos que não há motivo para terem medo de matemática. “Digo a eles: ‘Quando você perde no videogame, insiste até aprender como passar, não é? A matemática é por aí. Vamos começar a enfrentar a matemática como um jogo. Respondeu errado? É só apagar e fazer de novo. Quanta coisa não erramos na vida! Você nunca caiu de bicicleta? Caiu porque errou na hora de pedalar. O que você fez? Largou a bicicleta no meio da rua e foi embora? Garanto que subiu na bicicleta e foi andar de novo’”, ensina do alto de seus mais de 30 anos de magistério.
“Eu me encontrei dando aula de matemática. Sou aposentada, mas continuo lecionando. É fácil? Não. É impossível? Também não. Tudo é questão de estar na profissão de que você gosta”, arremata Cássia, sinalizando que dona Maria Lúcia estava certa.
Texto: Stefhanie Piovezan para a Assessoria de Comunicação do ICMC-USP
Fotos: Cássia Cristina Marcomini – Divulgação
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